terça-feira, 30 de março de 2021

Saúde mental na quarentena

O Covid-19 se tornou um evento mundial de busca pela sobrevivência, e fomos todos pegos de surpresa!

Falar de saúde mental é abordar a busca incessante do sujeito por seu equilíbrio nas dimensões humanas: biológicas, históricas, sociais, emocionais, relacionais, espirituais... Imagine então equilibrar tudo isto com as novas condições impostas por uma condição externa invisível, avassaladora e que não abre espaço para a escolha plena, particular de cada sujeito.

Como sujeitos de histórias de vida complexas, não estávamos preparados para lidar com uma nova realidade onde teríamos que abrir mão de nossas rotinas e do direito de ir e vir por uma questão, agora, de saúde pública. Muitas teorias do desenvolvimento infantil concordam, nascemos com a essência egoísta, de pensarmos em nossas necessidades e desejos, daí aprendemos a viver em sociedade e exercitamos olhar a demanda do outro, mas é um exercício contínuo para nossa formação como sujeitos sociais. 

Com a pandemia decorrente do Coronavírus, na ausência de uma vacina ou outro tratamento eficaz, a única forma viável de dificultar a proliferação do vírus é o apelo ao isolamento social. #Fique em casa: Tarefa árdua para a sociedade brasileira, que tem sua cultura pautada em festas, encontros, abraços e formas afetuosas de manter seus relacionamentos. O apelo das mídias sociais do “fique em casa” tem ecoado de forma desproporcional nas diversas camadas sociais, a depender das condições sociais e econômicas, como também das profissões. 

Alguns não seguem essa orientação, não por falta de consciência ou medo de contaminação, mas por atuarem em áreas essenciais que exigem que se exponham diariamente ao risco de contaminação, como os profissionais da saúde, entregadores, balconistas de farmácia, catadores de lixo, entre outros, que são obrigados a trabalhar, mesmo com toda a pandemia. Já outros, se sentem fadigados e/ou ociosos por serem obrigados a ficar em casa, seja por terem perdido seus empregos, por estarem com seus contratos de trabalho suspensos, ou por terem as jornadas de trabalho reduzidas de forma involuntária.

Outra parte da população se vê diante de uma rotina extremamente sobrecarregada emocional e fisicamente, tendo que dividir o tempo entre atividades profissionais mantidas em home Office, as rotinas domésticas, o acompanhamento das atividades escolares das crianças, com aulas em forma remota e, quando sobra tempo, procurar um pouco de lazer e cuidado consigo mesmo. 

A pandemia trouxe à tona algumas questões, e tornou explicitas as discrepâncias sociais. Enquanto alguns se sentem entediados com uma rotina repetitiva, com poucos atrativos por terem assistido a tudo que tinham direito em suas televisões de LED, outros passam fome e dependem da ajuda de familiares, auxílios emergenciais e muitos ainda dividem o espaço restrito de 2 quartos, com uma família de 10 membros. Como pedir um comportamento equilibrado, “consciente” e saudável de forma igual para contextos sociais tão diversos? 

Também a necessidade de convívio intenso, 24 horas por dia, com familiares, esposo, filhos ou parentes que estavam com você em casa desde meados do dia 18 de março, se transforma em fator de risco para a saúde mental, e afeta a todos, independente da classe social. Congelou tudo. Lockdown: ninguém entra e ninguém sai. Ficamos condicionados a respeitar, integrar, conviver e compartilhar equipamentos, espaços, alimentos e, ainda por cima conseguir o grande desafio de manter um clima agradável e saudável de “sobrevivência” entre todos. 

Os profissionais da saúde mental costumam relacionar o momento atual como uma Prova de Fogo das nossas condições subjetivas previamente aprendidas de lidar com a vida. Um teste de nossas habilidades de se reinventar, de resiliência, de superação e de ressignificar experiências. 

O resultado, como já era de se esperar, é um aumento significativo de casos de suicídio, separações, violência doméstica, crises de pânico, entre outros que se adicionam aos números diários de novos casos e de mortes por Covid-19.  O momento atual sinaliza muitas incertezas e muita falta de controle de variáveis. O sujeito perde, em certa medida, seu poder de controlar e de decidir sobre sua vida particular. Agora, mais do que nunca, é preciso olhar para o coletivo. 

Esse movimento, como já mencionamos, não é fácil, nem para crianças e nem para adultos, maduros ou com formação acadêmica. Esta falta de controle leva ao medo, insegurança, ansiedade, nervosismo, entre outros efeitos de respostas emocionais que ocorrem quando não sabemos lidar com o novo, e ainda não estamos abertos a aprender, frente a essa nova realidade atual, conhecida como o “novo normal”. 

Os estudiosos do desenvolvimento humano sempre apontaram para a relevância da criação e da manutenção de uma rotina para nossa organização e, portanto, para nossa saúde mental.  Podemos inovar nessa rotina? Será que diante de tantas novas demandas, onde precisamos fazer tantas coisas novas, desafiantes, seria recomendável uma lista de cursos e atividades para nos sentirmos produtivos nessa pandemia? A discussão produtividade versus ócio é filosófica e merece um aprofundamento epistemológico, afinal por que mesmo queremos sempre nos sentir úteis? Por que não parar, ou recuar, ou diminuir o ritmo? 

O cuidado com a saúde mental é uma escolha diária e individual, de buscar equilibrar tantas dimensões, não somente particulares, mas sociais, econômicas e até mesmo políticas como no atual momento do Brasil. 

Sugiro escolher a vida, mas não de qualquer jeito, mas de um jeito aberto a aprender uma nova forma de vivê-la. 



Coordenadora do Curso de Psicologia da Unifametro. Graduada e Mestre em Psicologia (UFC). Psicóloga Clínica Analista do Comportamento. Sócia da CAPAC Consultoria em Desenvolvimento Humano. MBA em Gestão Empresarial (IBMEC). 

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